Ao longo da vida, a tarefa de escrever versos vai se despersonalizando. O poeta não cabe mais em si e o chamado eu-poético, muitas vezes, cria outras vozes que são ficção, porém incorporadas à tentativa do poeta em dizer tudo e, de tudo, algo mais.
Assim, o fenômeno da despersonalização ultrapassa o uso de pseudônimos e se apresenta enquanto biografias distintas. Um poeta novo no arsenal do poeta de sempre. Talvez não se chegue à heteronomia ou à invenção do traço psicológico distinto, no entanto, cabe ao leitor identificar se é o caso.
O poeta se multiplica em outras vozes que ele mesmo escreve e procura, conscientemente, atingir o mais comovente quadro de sua invenção poética. Vozes que saem de José Carlos Acre, Epicuro Soares, Calixto Mococa e Elias Henrique Baltasar.
Vozes que receberam biografia e uma trajetória: todos nascem na Tertúlia (2004) e morrem na coletânea Somente Pessoas são simbólicas: Poemas de outra biografia (2017). No entanto, podem reaparecer com seus próprios livros, como é o caso do Bordel Barroco: as alegorias de Epicuro Soares (2011).
No livro A Tertúlia (2004), o poema "antropologia das imagens do poeta" deixa algumas pistas sobre a invenção dessas vozes:
... Nasci imundo
de uma estranheza
que somente cabe
na minha imagem
a que atravessa o limbo
e lambe da mesma paragem,
onde me cortaram o umbigo,
o alúvio que representa
o quanto de esquecimento
carrega o poeta consigo!
O poeta arquiteta o que jamais choveu.
Arquiteta o que jamais vestiu seu poema
e arrisca tudo, menos a voz trovejada
que espalharia, na cidade, tamanha discórdia:
ora, encurtaram as distâncias do mundo?
Ora, que nos acorda com tais palavras?
E quem nos golpeia com pensamentos
que pensávamos mortos e soterrados
na cinza das horas chamuscadas do nada?
Não existe o poeta,
mas existe a cidade...
Não existe o poeta,
mas existe a imagem
e o livro aberto...
Não existe o poeta.
Mas existe o final.
O poeta está solitário
e pensa mais rápido que um verso.
O que aprendeu fazer imediato
tornou-se um discurso.
Ele sabe combinar os fragmentos
estilhaçados e fluidos.
No espelho de seus olhos,
por acaso, navegam encarcerados
dezenas de outros olhos...
Todos no mundo novo
que se desdobra muito rápido.