Criar um Site Grátis Fantástico
Partilhe esta Página


Arquivo 2000 - 2010
Arquivo 2000 - 2010

 

Ao longo da vida, a tarefa de escrever versos vai se despersonalizando. O poeta não cabe mais em si e o chamado eu-poético, muitas vezes, cria outras vozes que são ficção, porém incorporadas à tentativa do poeta em dizer tudo e, de tudo, algo mais.

Assim, o fenômeno da despersonalização ultrapassa o uso de pseudônimos e se apresenta enquanto biografias distintas. Um poeta novo no arsenal do poeta de sempre. Talvez não se chegue à heteronomia ou à invenção do traço psicológico distinto, no entanto, cabe ao leitor identificar se é o caso.

O poeta se multiplica em outras vozes que ele mesmo escreve e procura, conscientemente, atingir o mais comovente quadro de sua invenção poética. Vozes que saem de José Carlos Acre, Epicuro Soares, Calixto Mococa e Elias Henrique Baltasar.

Vozes que receberam biografia e uma trajetória: todos nascem na Tertúlia (2004) e morrem na coletânea Somente Pessoas são simbólicas: Poemas de outra biografia (2017). No entanto, podem reaparecer com seus próprios livros, como é o caso do Bordel Barroco: as alegorias de Epicuro Soares (2011).

No livro A Tertúlia (2004), o poema "antropologia das imagens do poeta" deixa algumas pistas sobre a invenção dessas vozes:

 

... Nasci imundo

de uma estranheza

que somente cabe

na minha imagem

 

a que atravessa o limbo

e lambe da mesma paragem,

onde me cortaram o umbigo,

o alúvio que representa

o quanto de esquecimento

carrega o poeta consigo!

(Epicuro Soares)

 

O poeta arquiteta o que jamais choveu.

Arquiteta o que jamais vestiu seu poema

e arrisca tudo, menos a voz trovejada

que espalharia, na cidade, tamanha discórdia:

ora, encurtaram as distâncias do mundo?

 

Ora, que nos acorda com tais palavras?

E quem nos golpeia com pensamentos

que pensávamos mortos e soterrados

na cinza das horas chamuscadas do nada?

(José Carlos Acre)

 

Não existe o poeta,

mas existe a cidade...

 

Não existe o poeta,

mas existe a imagem

e o livro aberto...

 

Não existe o poeta.

Mas existe o final.

(Calixto Mococa)

 

O poeta está solitário

e pensa mais rápido que um verso.

O que aprendeu fazer imediato

tornou-se um discurso.

Ele sabe combinar os fragmentos

estilhaçados e fluidos.

No espelho de seus olhos,

por acaso, navegam encarcerados

dezenas de outros olhos...

Todos no mundo novo

que se desdobra muito rápido.

            (Elias Henrique Baltasar)